Arquivo para agosto, 2010

Adivinhação…

Posted in Dos desvarios. on 27/08/2010 by adrianatribal
Encantamentos e Magias

pq à tua vista me vem lembranças do que nunca vivemos os 2?…

acampamentos ciganos, baralhos, filtros mágicos,

a bola de cristal -tua íris já foi meu espelho?…

as frutas roubadas, os girassóis e o capim mascado…

as moedas de sol e de lua, os tesouros escondidos…

as bebedeiras ao redor da fogueira, as estrelas tontas…

a música, a dança… e depois

toda a volúpia do mundo sob a tenda das tuas saias!

(Piti Dutra)



Eu quero fazer uma reclamação.

Posted in Oh yess!!!!! on 26/08/2010 by adrianatribal

Eu quero fazer uma reclamação. Pedi um amor novo e veio usado. Tenho certeza: ele vive me comparando com a ex. E o pior: ela sempre ganha. “Não podem fazer nada”, eu devia imaginar. E quem vai pagar pelo meu coração partido? Quem vai juntar os cacos? E quem vai limpar essa sujeirada toda?

Eu quero fazer uma reclamação. É sobre a conta: veio uma coisa que eu não pedi: massagem no pé. E daí que todo mundo gosta? Eu não pedi. Na verdade, nem gosto que mexam no meu pé, tenho cócegas. Está bem. Eu aguardo. Sim, o resto está certo: dois beijinhos, um papo agradável, três risadas e um olho no olho. Obrigada, hem? Faz um favor: traz um carinho nas costas. De unha!

Eu quero fazer uma reclamação. É que eu fiz tudo direitinho e não adiantou nada. Exatamente. Sei. Muita gente vem reclamando. Sei. Está em falta. Sei.Vocês estão providenciando. Tem previsão? Sei.

Eu quero fazer uma reclamação. O meu rapaz veio frio.

Eu quero fazer uma reclamação. Pois bem, pedi para nascer com lábios carnudos, mas vim com lábios finos. Sim, os lábios finos funcionam. Quer dizer, funcionam em que sentido? Não, não estão quebrados. 31 anos. A garantia era de 30? Eu tenho a nota. Por favor, chama o gerente!

Eu quero fazer uma reclamação. É que a minha mãe prefere o meu irmão. Ué, as mães não devem amar os filhos da mesma forma? Não??? Putz.

Eu quero fazer uma reclamação. A minha menstruação marcou de vir ontem no horário comercial e até agora não chegou. Eu faltei o trabalho para ficar esperando e nada. Sim, transei. Não tenho certeza, mas pode ter sido no período fértil, sim. Como o senhor não pode estar fazendo nada?

Eu quero fazer uma reclamação. Esse rapaz é salgado. Eu pedi doce.

Eu quero fazer uma reclamação. É que me comportei de forma inesperada e ainda não voltei ao estado normal, de modo que não tenho conseguido realizar funções básicas. Perdoar, por exemplo.

Eu quero fazer uma reclamação. Tem um fio de cabelo no meu rapaz.

Eu quero fazer uma reclamação. O meu coração parou de funcionar. Estava tudo ok, quando de repente parou. Parou de funcionar. As luzes estão apagadas. Não, não tem cheiro de queimado. Não, não deixei cair no chão. Não, ninguém além de mim operou o meu coração. Um momento, vou verificar. Sim, todos os cabos estão conectados. Ok, vou reiniciar.

(Rosana Caiado)

 *A quem interessar possa: Lady Malvadeza não quer fazer uma reclamação!  o/ o/ o/ o/

Cada lugar teu.

Posted in Dos desvarios. on 25/08/2010 by adrianatribal

(…)

Pensa em mim protege o que eu te dou
Eu penso em ti e dou-te o que de melhor eu sou
sem ter defesas que me façam falhar
nesse lugar mais dentro
onde só chega quem não tem medo de naufragar

Fica em mim que hoje o tempo dói
como se arrancassem tudo o que já foi
e até o que virá e até o que eu sonhei
diz-me que vais guardar e abraçar
tudo o que eu te dei

Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
e o mundo nos leve pra longe de nós
e que um dia o tempo pareça perdido
e tudo se desfaça num gesto só

Eu Vou guardar cada lugar teu
ancorado em cada lugar meu
e hoje apenas isso me faz acreditar
que eu vou chegar contigo
onde só chega quem não tem medo de naufragar


(Mafalda Veiga)

Os dias.

Posted in Dos desvarios. on 23/08/2010 by adrianatribal


Vivia a te buscar

Porque pensando em ti

Corria contra o tempo

Eu descartava os dias

Em que não te vi

Como de um de um filme

A ação que não valeu

Rodava as horas pra trás

Roubava um pouquinho

E ajeitava o meu caminho

Pra encostar no teu


Subia na montanha

Não como anda um corpo

Mas um sentimento

Eu surpreendia o sol

Antes do sol raiar

Saltava as noites

Sem me refazer

E pela porta de trás

Da casa vazia

Eu ingressaria

E te veria

Confusa por me ver

Chegando assim

Mil dias antes de te conhecer


(Chico Buarque/Edu Lobo)





                                                                                                                                                                              
                                                                                                                                                                        
Me fazes falta, sempre, e isso é uma bênção. 
Tua falta é uma marca bonita pousada em tudo que me cerca, 
um mistério, a vingança secreta contra a ordinariedade do mundo.


Fuga.

Posted in Dos desvarios. on 18/08/2010 by adrianatribal



Reter o vão

Chacoalhar guizos de canduras

Afivelar saudades

Olhar derradeiro as disposições dos trigos

Recolher as tranças das rosas

Beirar a ânsia de conter o então

E depois.

Ajeitando o cerco com urgências

E fechaduras.

Repisar o charco

Levasse um naco de alma

Reinventar companhias

Calcular senões

Improvisar amor

Refundir amálgamas de pedras

E vegetais.

Levar também a chave

Para o caso de querer retornar.


(Whisner Fraga)



Disco voador & praça.

Posted in Dos desvarios. on 15/08/2010 by adrianatribal





Quando eu saí de uma importante depressão, eu disse a mim mesma que o mundo no qual eu acreditava deveria existir em algum lugar do planeta. Nem se fosse apenas dentro de mim… Mesmo se ele não existisse em canto algum, se eu, pelo menos, pudesse construi-lo em mim, como um templo das coisas mais bonitas em que eu acredito, o mundo seria sim bonito e doce, o mundo seria cheio de amor, e eu nunca mais ficaria doente. E, nesse mundo, ninguém precisa trocar amor por coisa alguma porque ele brota sozinho entre os dedos da mão e se alimenta do respirar, do contemplar o céu, do fechar os olhos na ventania e abrir os braços antes da chuva. Nesse mundo, as pessoas nunca se abandonam. Elas nunca vão embora porque a gente não foi um bom menino. Ou porque a gente ficou com os braços tão fraquinhos que não consegue mais abraçar e estar perto. Mesmo quando o outro vai embora, a gente não vai. A gente fica e faz um jardim, qualquer coisa para ocupar o tempo, um banco de almofadas coloridas, e pede aos passarinhos não sujarem ali porque aquele é o banco do nosso amor, do nosso grande amigo. Para que ele saiba que, em qualquer tempo, em qualquer lugar, daqui a não sei quantos anos, ele pode simplesmente voltar, sem mais explicações, para olhar o céu de mãos dadas.
 

 

Estrela cadente.

Posted in Dos desvarios. on 12/08/2010 by adrianatribal
 Eu gasto tempo e neurônios procurando um lapso, em espaço onde faltaram uma ou várias palavras, é como se de repente ficasse incompleta uma frase que daria sentido pra um todo gigante, e é como se eu fosse cair nesse espaço, como se ao cair eu fosse engolida por um nada enorme, e é como se eu fosse deixar de existir em algum lugar que mesmo nunca tendo sido meu foi o melhor lugar que já conheci.
   Um amigo escreveu que quem pensa demais afasta a felicidade. Felicidade é ausência de pensamento então, e deve ser por isso que todos os animais são tão felizes. Eu penso e sou feliz, eu penso pra ser mais feliz, e eu sei que felicidade não tem medida, nem começo nem fim, que felicidade é um fim em si mesma, em mim mesma. É a euphoria que eu quero então, o estado euphórico, do riso, de respirar um anestésico que me deixe tonta e fora do ar, é… acho que é isso, afinal, eu conheço a euphoria, eu conheço o suspiro cortado, ( E eu conheço teu suspiro longo e estremecido, aquele que pretendendo brincar me falava – Olha, cuida de mim, pq eu nunca me senti tão acolhido assim.- Eu tive medo de te acordar.) e eu conheço a festa da euphoria no corpo, nas áreas mais obscuras do pensamento, nas partes mais escondidas da minha anatomia, nuns lugares que só acordam quando eu suspiro cortado, ou quando é a tua respiração que ventila meus pulmões.
   Eu sou dependente do entendimento, eu sou dependente da lógica, eu sou incompleta, eu sou intensa, eu sou unica (pra mim, eu sou unica pra mim) eu sou hormônios, eu sou uma bala perdida, um carro desgovernado, um estado anárquico, eu sou uma criança com fome e uma mulher com frio, eu sou um nó, um caminho sem trilha, eu sou uma pedra no meio do meu caminho, eu sou uma estrela cadente, eu sou minha. Eu sou tua. Eu já não sou de ninguém. 
   Eu vou procurar uma euphoria mais duradoura. Se eu encontrar, não me abandono mais.


O amor comeu.

Posted in Dos desvarios. on 11/08/2010 by adrianatribal
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

(João Cabral de Melo Neto)