Archive for the Livros Category

Na pele de um leão.

Posted in Livros on 25/10/2010 by adrianatribal

Depois, não houve mais nenhum medo na ponte. O pior, o incrível havia ocorrido. Uma freira caíra do viaduto Príncipe Eduardo antes mesmo de ele ser sequer terminado. Os homens cobertos de serragem ou de pó de granito seguravam as mulheres apertando-as contra si. E o comissário Harris, na extremidade da ponte, olhava para a extenção daquele caminho louco. Esse era seu primeiro filho e já era um assasssino.

O homem, no ar, sob a arcada central, viu a forma cair em sua direção, compreendendo naquele mesmo segundo que sua corda não conseguiria sustentar o peso dos dois. Estendeu o braço a fim de segurar o vulto, enquanto a outra mão agarrava a beirada do tubo de metal acima dele, para atenuar o súbito tranco na corda. O novo peso forçou e desprendeu do ombro o braço que segurava o tubo, e então o homem gritou, e portanto quem quer que tenha ouvido seu grito lá em cima deve ter imaginado que a voz vinha da pessoa que havia caido. O cabresto de cordas deu um forte solavanco, empurrando o peito para a garganta. O braço direito, agora, era só dor – mas o sentido de oportunidade da sua mão fora impecável, um dádiva do hábito, e no instante seguinte ele se viu segurando ardorosamente  contra o próprio corpo a figura que havia caido.

Viu que era uma ave de roupagem negra, um rosto branco de moça. Viu isso sob a luz que jorrava inconstante de um lampião treze metros e meio acima.Ficaram seguros no cabresto, rodopiando sobre o vale,seu braço quebrado pendurado inerte ao lado do corpo, segurando a mulher com o outro braço. O corpo dela se achava em estado de choque, seus olhos enormes fitando o rosto de Nicholas Temelcof.

Grite, por favor senhora… Por favor, grite. Mas ela não podia… Ela estava em estado de choque, seu rosto brilhava como uma mulher febril.

(estavam sentados no chão, recostados na parede no canto do quarto, a boca dela junto ao mamilo dele, a mão dela mexendo devagar no pau dele . Uma ciência complicada, o corpo inteiro aprisionado ali, um navio dentro de uma garrafa. Vou gozar. Goze na minha boca. Movendo-se para a frente, os dedos dele puxando o cabelo dela para trás como seda rasgada, ele ejaculou, desaparecendo dentro dela. Ela curvou seu dedo, fazendo sinal para ele, e ele abaixou-se e pôs sua boca na boca dela. Ele apanhou aquilo, o elemento branco, e os dois ficaram passando de um para o outro, até que já não havia mais nada, até que eles não soubessem mais quem tinha ficado com aquilo, como um planeta perdido em algum lugar do corpo.)

(Michael Ondaatje, em Na pele de um leão.)

Peixes em meu vestido.

Posted in Livros on 11/10/2010 by adrianatribal

Soltando o jarro de vinho e o avental, a menina recolheu um ovo do balcão e foi andando descalça debaixo das luzes dassa noite estrelada até o encontro.

Ao abrir a porta do galpão soube distinguir por entre as confusas redes o carteiro sentado sobre um banquinho de sapateiro, o rosto colorido pela luz laranja de uma lamparina de querosene. Por sua vez,  Mario pôde identificar, convocando a mesma emoção de antes, a precisa minissaia e a apertada blusa daquele primeiro encontro junto à mesa de totó. Como se combinando com a recordação, a garota alçou o oval e frágil ovo e depois de fechar a porta com um pé, colocou-o perto de seus lábios. Abaixando-o um pouco até seus seios, fez deslizar seguindo o palpitante vulto com os dedos dançarinos, resvalou sobre o estômago liso, trouxe até o ventre, escorreu sobre seu sexo, ocultou-o em meio ao triângulo de suas pernas esquentando-o instantâneamente, e, então cravou um olhar quente nos olhos de Mario.(…)

(…) Era o tempo da colheita, o amor havia amadurecido espesso e duro em seu esqueleto, as palavras voltavam a suas raízes. Neste momento, pensou ele, este, este momento, este este este, este momento, este sete, este momento este. Cerrou os olhos quando ela tirava o ovo com a sua boca. Às escuras, cobriu-a pelas costas enquanto em sua mente uma explosão de peixes cintilava brotava num oceano calmo. Uma imensa lua o banhava e ele teve a certeza de compreender, com sua saliva sobre esta nuca , o que era o infinito. Chegou até o outro flanco de sua amada e mais uma vez prendeu o ovo entre os dentes. E agora, como se ambos estivessem bailando ao compasso de uma música secreta, ela entreabriu o decote de sua blusa e Mario fez o ovo resvalar entre suas tetas. Beatriz desprendeu o cinto, levantou a asfixiante prenda e o ovo foi arrebentar no chão, enquanto a menina tirou a blusa por cima da cabeça e expôs o dorso dourado pela lâmpada de querosene. Mario abaixou sua apertada minissaia e quando a fragrante vegetação de sua boceta acariciou seu nariz indagador, não teve outra inspiração senão untá-la com a ponta de sua língua, Neste exato momento Beatriz emitiu um grito de alento, de soluço, de dissipação, de garganta, de música, de febre, que se prolongou por alguns segundos em seu corpo inteiro, tremeu até se desvanecer. Deixou-se resvalar até a madeira do chão, e depois de colocar um dedo de sigilo sobre o lábio que a havia lambido, trouxe-o úmido até o tecido rústico da calça do garoto e, apalpando a grossura de seu pau, disse com voz rouca:

— Voçê acabou comigo, seu bobo.

 

(Antonio Skármeta, em O carteiro e o poeta.)

Festa!

Posted in Livros on 18/05/2010 by adrianatribal
Festa da Criança
Por coincidência seus dois filhos fazem aniversário no mesmo mês, dessa forma,o bufê infantil abriga sempre uma festa dupla – e, o que é melhor: um gasto único e uma só noite de aporrinhação.
Sim, não vamos dourar a pílula, Tem coisa mais chata que aniversário de criança? Existe tempo mais perdido que esse que passamos comendo bolinhas de queijo e chamando pequenos monstros- sim, são isso que eles são – de gracinhas?
Além de você detestar aniversário de criança, sobretudo o das suas crianças, do qual você não pode escapar -, esse ano a situação é ainda mais desconfortável. Se você pudesse, atrasaria o calendário em seis meses no mínimo, mas é impossível. Não há nada a fazer senão vestir a armadura e enfrentar o combate.
Essa será a primeira festinha depois da separação e você está apreensiva: Algumas saias justar podem pintar.
Você terá que rever todos os parentes dele, inclusive aqueles que te xingaram, que te apunhalaram pelas costas, que te surpreenderam com um ódio muito bem disfarçado por anos à fio.
Você terá que encarar os olhos de censura das cunhadas e cunhados, tios e tias, primos e primas, cuja relação com você não se manteve, até para que a separação se efetivasse com o mínimo de fofocas e trança-tranças.
Por fim, você terá que encarar a namorada de seu ex marido, ao vivo e em cores, agarrada ao cangote que um dia já foi seu. Dureza.
Quem sabe se você se disfarçar de Emília ninguém vai te reconhecer? Será melhor encarnar a Cuca? Não, melhor mesmo é alugar a fantasia do Marquês de Rabicó: quando os convidados quiserem saber onde está a mãe das crianças, você acena de dentro daquela imensa cabeça cor de rosa ( o buraco escuro do sorriso dele protegerá suas caretas de nojo).
O.K., brincadeiras à parte, você tem um plano – uma ocasião como essa não te pegaria desprevenida. O plano envolve sua prima Cátia e seus três filhos – na verdade é o mais novo deles, um bebê de seis meses, quem vai te salvar a pátria. Você ligou para sua prima e se ofereceu para levar os três ao aniversário, se ofereceu especialmente para tomas conta o tempo todo do bebê Tiago.
Cátia, que confia bastante em você, quase chorou de alegria ante a possibilidade de passar algumas horas livres – e liberou as três crianças. Maravilha! Um bebê de seis meses vai te tomar todo o tempo e te salvar das situações mais constrangedoras. Quando a coisa apertar você se safa com um simples: “preciso trocar a fralda do Tiaguinho.”
É ou não é uma idéia de gênio? Se você tiver uma festa inevitável – e desagradável – pela frente, arranje um bebê! Ou alugue um, sei lá. Bebês são a justificativa para tudo, inclusive ficar a festa inteira no berçário, ninando o pequeno ditador – que é exatamente o que você pretende fazer.
O telefone toca. Seu ex liga justamente para tratar dos detalhes da festa. Bufê escolhido, certo. Despesas divididas, certo. Data de pagamento, certo. Então seu ex vem com uma proposta surpreendente:
– Acho que a gente podia fazer o aniversário só para as crianças. Não há necessidade de os adultos irem, os monitores dão conta deles.A gente pode alugar um microônibus para pegar e levar as crianças, elas moram todas por aí mesmo. E isso fica mais barato que pagar a consumação de todos os adultos que iriam acompanhar as crianças. Assim a gente libera a família, sabe? Faz a festa só para a molecada mesmo, o que você acha?
– Eu acho ótimo! – você diz. E imediatamente pensa: “E agora? O que é que eu faço com o bebê?”
( Stella Florence, em O Diabo Que Te Carregue.)

Nas Tuas Mãos

Posted in Livros on 21/03/2010 by adrianatribal
  

   "A tua cabeça rodou na direção do meu rosto, os teus olhos fecharam-se e tua boca avançou para a minha, através de uma lenta rota de luz, risos e lágrimas. Quando os teus dentes morderam os meus lábios alguém gritou "Bravo!" como na ópera e eu soube que nunca uma rapariga havia sido assim mada. "Espere", dizias tu, "connosco há-de ser diferente". Travavas-me o corpo todo com um beijo na palma da mão, os meus dedos agarravam-se, entontecidos, à curva funda das tuas pálpebras, e desse canto macio de pele eu inventei um homem para sonhar até ao dia branco da nossa eternidade. (…)

(Inês Pedrosa, em Nas Tuas Mãos)

Marquinhas.

Posted in Livros on 19/03/2010 by adrianatribal
  

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  " A cada dia ele voltava para casa e olhava a mancha no espelho."

   As diversas cores das manchas roxas – do leve rosado até o marrom escuro. O prato que ela foi pegar no outro lado do quarto e, depois de jogar no chão a comida espatifou na cabeça dele, o sangue subindo no meio dos cabelos de palha. O garfo que enterrou atrás de seu ombro, deixando a marca de uma mordida que o médico desconfiou ser de uma raposa.
   Quando a abraçava, verificava que objetos podiam estar ao alcance das mãos dela. Encontrava-a com outros, em público, com manchas roxas ou a cabeça enfaixada e explicava como o táxi tinha dado uma freada e a cabeça tinha batido de encontro à janela. Ou com iodo no antebraço, cobrindo a marca de uma chicotada. Madox ficou preocupado por ele de repente ter se tornado tão propenso a acidentes. Ela fazia força para não rir com suas frágeis explicações. Talvez seja a idade, talvez precise de óculos, disse o marido, cutucando Madox com o cotovelo.Talvez seja alguma mulher que encontrou, disse ela. Olhem isso, não parece arranhão ou mordida de mulher?(…)
"
(Michael Ondaatje, em O Paciente Inglês)

A Vingança.

Posted in Livros on 14/01/2010 by adrianatribal

   "Sinto muito dizer-lhe que a mulher a que você está procurando ficou um mês em um puteiro, drogada com heroína. Agora o senhor Mendez retirou-a do puteiro e levou-a sabe Deus para onde. Ainda não consegui descobrir."
   (…)
   "Devo informá-lo que vai ser morto como um cachorro a não ser que tome muito cuidado, e provavelmente morto como um cachorro mesmo assim."
   (…)
   "Você precisa ir a um médico amigo."

(Jim Herrison, em A Vingança)

Hacker Republic

Posted in Livros on 01/12/2009 by adrianatribal

   Uma lei do ano de 697 proibia as mulheres de serem soldados – o que significa que, antes disso, as mulheres de fato foram soldados. Como exemplo de povos que, em diferentes momentos da história, tiveram mulheres soldados, podemos mencionar, entre outros, os árabes, os berberes, os curdos, os rajput, os chineses, os filipinos, os maoris, os papuas, os aborígenes australianos, os micronésios e os índios americanos.
   São abundantes as lendas de terríveis guerreiras na Grécia antiga. Essas histórias falam de mulheres treinadas desde a infância na arte da guerra, no manejo das armas e nas privações físicas. Viviam separadas dos homens e iam para a guerra com seus próprios regimentos. São abundantes nessas histórias trechos indicando que elas venciam os homenas nos campos de batalha. Na literatura grega. as amazonas são mencionadas, por exemplo, na Ilíada de Homero, narrativa que data de cerca de sete séculos antes de Cristo.
   É também aos gregos que devemos o termo "amazonas". A palavra significa, literalmente, "sem peito". A explicação que costuma ser difundida é que elas praticavam a ablação do seio direito para melhor estenderem o arco. Embora dois dos mais importantes médicos gregos da história, Hipócrates e Galiano, concordarem que tal operação de fato aumentava a capacidade de manejo das armas, não se sabe ao certo se ela era mesmo praticada. Oculta-se aí um ponto de interrogação linguístico – não é certo que o prefixo "a" de "amazona" signifique de fato "sem", e foi sugerido que significaria justamente o contrário – de que a amazona era uma mulher com seios particularmente volumosos. Não existe nenhum exemplo, em museu algum, de uma imagem, um amuleto ou uma estátua representando uma mulher desprovida do seio direito, e, se fosse a lenda verídica, esse deveria ter sido um tema frequente.

(Stieg Larsson, em A Rainha Do Castelo De Ar; terceiro volume da trilogia Millennium)

Craigh na Dun…

Posted in Livros on 15/10/2009 by adrianatribal

   Acordei três vezes na madrugada. Na primeira, de tristeza, depois de pura alegria e, finalmente, de solidão. As lágrimas de uma profunda perda acordaram-me devagar, banhando meu rosto como o toque reconfortante de um pano úmido em mãos tranquilizadoras. Virei o rosto no travesseiro molhado e naveguei por um rio salgado, para dentro da dor relembrada, para as profundezas subterrâneas do sono.
  Despertei, então, de pura alegria, o corpo arqueado nos espasmos da união física, sentindo o toque de seu corpo ainda em minha pele, morrendo ao longo dos caminhos dos meus nervos como as ondulações da consumação espalhando-se a partir do centro do meu ser. Repeli a consciência, virando-me outra vez, buscando o cheiro pungente e penetrante do desejo satisfeito de um homem e, nos braços reconfortantes do amado, dormi.
  Na terceira vez, acordei sozinha, além do alcance do amor ou do sofrimento. A visão das rochas estava nítida em minha mente. Um pequeno círculo, pedras em pé no topo de uma colina verde e íngreme. O nome da colina é Craigh na Dun; a colina das fadas. Alguns dizem que a colina é encantada, outros que é amaldiçoada. Todos tem razão. Mas ninguém sabe a função ou o propósito das pedras.
  Exeto eu. 

(Diana Gabaldon, em A libélula no Âmbar)

O Nome Da Cousa

Posted in Livros on 18/09/2009 by adrianatribal
 
 
"Eu já perdi o insubstituível, sabia? Então, não me provoque. E tire esse dedo retórico da minha cara.
(…)
Posso aprender a viver assim. Com medo da hora, na ponta dos pés, com sangue nos olhos, com ódio no coração, com círculos de fogo em volta.
Não me provoque.
 
Sonho com as manhãs de outono que tivemos um dia, e desenho gatinhos nas palmas das minhas mãos"
 
Fal Azevedo, em O Nome Da Cousa. Tem pra vender aqui:  http://www.osviralata.com.br/01prosa/falazevedo.html  e é bem baratinho.
 
A Fal é doce, eu é que tenho talento pra cavoucar amarguras. A escrita dela é feita em açucar confeiteiro, chocolate e vódca, muita vódca, comecei pela vódca, tô no caminho.
 
 

Mundo Da Lua

Posted in Livros on 19/08/2009 by adrianatribal
 
 

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Que amores são estes de fim de mundo onde ninguém tem tempo pra nada nem de dar uma relaxada na hora da trepada que amores são estes que envelhecem tão precocemente impacientes que são de si mesmos tão indefesos que não se suportam nem se importam com a manutenção do tesão e onde as intenções são tão rasas que paixões não têm asas nem os sussurros ficam em casa que amores são estes tão egoístas consumistas e chantagistas sem chance de beijos na chuva ou cachos de uva que despedem-se sem saudades e escondem a idade só por vaidade que amores são estes que fazem tantos filhos mas deixam tantas falhas fazendo o que der na telha chamando ela de pentelha e ele de meu velho que amores são estes que mentem o salário machucam o ovário chamam de otário aquele que não tem dinheiro pro veraneio e onde a televisão é a maior comunicação e fonte de inspiração que amores são estes que dividem as contas do condomínio mas que não tem a mínima vontade de prestar contas e muito menos se dão conta de como é bom ter um amor que amores são estes de desinteresses e desempregados com flores de obrigação e gestos de perdão culpados pelo estado que chegam as coisas que amores são estes tão virtuais com toques nas teclas e retoques nas linhas onde olho no olho é um simples detalhe a internet é o novo boquete daqueles que querem prazer no ato que amores são estes que se irritam fácil e  facilitam as coisas só para os que estão de fora e demoram para gozar e perceber que é preciso oferecer e perder e ouvir e permitir e facilitar e aceitar que amores são estes que gritam nas horas erradas que roubam a cena em uma noitada que transam sem preservativo para mostrar que são ativos que amores são estes do século mal passado mas que comemos só por que muitas vezes é só o que conhecemos?
 
(Paula Taitelbaum, em Mundo Da lua)